A Química que protege pode ser a mesma que mata
As plantas utilizam inúmeras substâncias químicas para reduzir a predação por animais, especialmente por insetos. Entretanto, muitos outros animais, além de serem imunes a elas, acabam por incorporá-las em seu arsenal de defesa, por meio das plantas consumidas na dieta. Essas substâncias, posteriormente, podem ser exsudadas de glândulas especiais, borrifadas ou injetadas, mas também podem estar presentes no sangue ou nos tecidos.
Um exemplo clássico é o da borboleta monarca (Danaus plexippus), cujas larvas se alimentam de asclépias, que contêm glicosídeos cardioativos, tóxicos para mamíferos e aves. Essas larvas podem armazenar o veneno, que permanece ainda no adulto. Desse modo, após consumir uma monarca, uma ave vomitará intensamente e, uma vez recuperada, rejeitará outras monarcas.
Estrutura da calotropina, um glicosídeo cardioativo consumido por
larvas e que impede a predação por outros animais.
Um recurso alimentar com melhor defesa pode exercer uma pressão seletiva sobre os consumidores, como insetos, por exemplo. Aqueles que conseguirem se tornar imunes à toxina passam a ter a vantagem de, além de
poderem consumir a planta, não terem muitos competidores.
Um exemplo é a leguminosa tropical (Dioclea metacarpa), tóxica para quase todas as espécies de insetos porque contém um aminoácido não proteico, a L-canavanina, que os insetos incorporam em suas proteínas no lugar da Larginina. A diferença entre esses dois aminoácidos é a substituição de um grupo metileno −CH2
na L-arginina por um átomo de oxigênio na L-canavanina. Lembrando que os aminoácidos são as unidades formadoras de proteínas, e como estas têm funções fisiológicas diversas, a alteração da sua estrutura pode
afetar as funções vitais de um organismo, gerando toxicidade.
L-canavanina
L-Argenina
A semelhança entre as estruturas pode ser fundamental para uma determinada atividade biológica de um metabólito secundário.
Porém, uma espécie de besouro da família Bruchidae (Caryedes brasiliensis) desenvolveu uma enzima modificada que distingue a L-canavanina da L-arginina durante a formação de proteína. Além disso, ele possui enzimas adicionais que degradam a L-canavanina, que passa a ser usada também como
fonte de nitrogênio.
Alguns indivíduos podem deter predadores utilizando substâncias produzidas ou adquiridas através do alimento, ou seja, de presas ingeridas. É o caso de anfíbios.
Exemplos de anfíbios que possuem toxinas em sua pele, que os protegem contra fungos, vírus e bactérias e, eventualmente, contra a predação.
Várias substâncias nocivas e componentes tóxicos já foram identificados na pele de anfíbios e muitos deles são usados para defesa química. Os compostos conhecidos são de quatro grupos: aminas biogênicas, peptídeos, bufadienolidos e alcaloides. As aminas biogênicas incluem serotonina, epinefrinas e dopaminas, que
afetam as funções normais do sistema nervoso e vascular. Esses compostos são derivados de aminoácidos e produzidos normalmente por animais. Os peptídeos compreendem compostos tais como a bradicinina, que modifica as funções cardíacas. Os bufadienolidos e os alcaloides, citados anteriormente, afetam o
transporte celular normal e o metabolismo, além de serem sempre muito tóxicos.
Alguns anfíbios, com sua pele glandular, produzem metabólitos que podem provocar desde uma irritação no predador até mesmo levá-lo à morte. As glândulas granulares podem estar distribuídas no dorso ou se concentrar em alguma região específica do animal. Os sapos bufonídeos concentram uma classe
de compostos esteroidais – os bufadienolidos - nas glândulas paratoides, localizadas lateralmente na cabeça, e tão logo a presa é colocada na boca, a substância é secretada. Essa classe de substâncias é proveniente do
metabolismo que envolve o colesterol, um esteroide precursor de várias substâncias. Muitas substâncias químicas que ocorrem na pele de anfíbios parecem ser provenientes de artrópodes ingeridos durante a alimentação, particularmente as formigas. Anfíbios de muitas famílias, especializados em comer formigas,
produzem alguns dos compostos mais tóxicos.
É importante lembrar que os anfíbios não possuem mecanismos para expelir o veneno à distância, muito menos para injetá-lo. O veneno é liberado da pele ao entrar em contato com o predador, normalmente quando pressionado na sua boca. O mito de que sapos possuem urina venenosa e que são capazes de
lançá-la a grandes distâncias é um erro comum. Isso se deve a um dos mecanismos de defesa dos anfíbios, que é o de esvaziar a bexiga quando capturado, como forma de assustar o predador.
Especula-se que as substâncias provenientes das glândulas presentes nas peles dos anfíbios tenham, ou já tiveram, originalmente, outras funções, como atuar na comunicação com outros indivíduos, demarcar território, atrair parceiros, reduzir a perda de água através da pele e prevenir contra agentes infecciosos
como fungos, vírus ou bactérias.
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